[ PRIMEIRA INFÂNCIA ]
Por Clarissa Brito
Por que forjar uma educação antirracista e afrorreferenciada na primeira infância?
A educação sempre foi lugar de sonhos e projeções da sociedade; educação sempre foi território de esperançar desejos, lugar de encontro, de construção de imaginário e identidades. Por esses motivos, o movimento negro social sempre buscou a EDUCAÇÃO para legitimar seus caminhos de cura e redução do estresse racial existente na sociedade.
Imagem: Istock - Crédito: monkeybusinessimages
A Educação Antirracista é o caminho mais potente para nossa humanidade reaprender a se relacionar e forjar um mundo onde todas as pessoas se vejam como sujeitos possíveis de intelectualidade, amor, dignidade e relevância social.
E por que escolhemos novamente o segmento da Educação Infantil para trabalhar também a educação antirracista aqui no Aperte o PLAY+? A Educação Infantil tem um importante papel na construção de repertórios e, consequentemente, da mentalidade antirracista e afrorreferenciada. Nessa etapa escolar, somos provocados a olhar o mundo para além de nós mesmos, vivemos a experiência de “aprender a olhar o mundo” e viver com o outro.
Como humanos, sujeitos de relações, experimentamos na Educação Infantil um potente abrir de caminhos. Dessa forma, inundar uma criança de referenciais negros e africanos reais é estruturante para o desenvolvimento da autoestima, da empatia e da consciência racial.
O processo de construção de uma Educação Antirracista e afrorreferenciada envolve etapas importantes para a mudança de paradigma educacional. É preciso reafricanizar nosso pensamento e movimento no mundo, além de perceber a ancestralidade negra como caminho de possibilidade de vida e reconstrução da própria existência.
Foram muitos os caminhos que o povo negro percorreu na luta por uma educação real e justa para sua própria existência. Nesse processo, muitos marcos impactaram o pensamento educacional brasileiro até a implementação da Lei 10.639/2003, que, em 2003, tornou obrigatório nos espaços educacionais o ensino da verdadeira História da África e dos africanos, tanto aqueles nascidos no continente berço da humanidade como os diaspóricos.
A lei também indica que a contribuição dos negros na cultura, na economia, na política e no campo social deve fazer parte das narrativas escolares. Existe um potente marco, anterior à implementação dessa importante lei educacional, que é fundamental para o desenvolvimento de um trabalho justo e relevante com as crianças negras, que é o surgimento do bloco afro Ilê Aiyê [1974] e sua metodologia de autoestima.
Imagem: Istock - Crédito: Gabriel Boieras
Em 1974, sob a inspiração de Antonio Carlos dos Santos Vovô e com o apoio e a força de Apolônio, Dete, Vivaldo, Ana Meire, Sergio Roberto, Jailson, Lili, Macalé, Eliete Celestino, Joevandro, Maria Auxiliadora e de tantos outros nas proximidades do Curuzu, no bairro da Liberdade, periferia de Salvador (BA), surge o primeiro bloco afro do Brasil.
Imagem: Istock - Crédito: Fly View Productions
Eram tempos de luta por liberdade, quando ser negro era, e ainda é, resistir. Usar o cabelo black, "dredado", trançado, utilizar esteticamente elementos da negritude era mal visto, associado à criminalidade. No entanto, o Ilê Aiyê saiu às ruas durante o Carnaval cantando que ser crioulo doido era (e é) bem legal, forjando um grito de orgulho, axé, fortalecimento e espiritualidade.
Hoje, o Ilê Aiyê é uma instituição respeitada, reverenciada e de sucesso, conhecida internacionalmente, carregando uma consolidada ação afirmativa da raça, difusora de informação sobre o valor do povo africano e suas reverberações sociais, na poesia, na música, na dança, no vestuário e em outros costumes que, unidos, formam a cultura e a espiritualidade.
A região do Curuzu mantém uma conexão com a cultura afro-brasileira desde o início da ocupação do local, onde existem terreiros de candomblé, entre os quais o Ilê Axé Jitolu, que, por anos, foi comandado por Mãe Hilda e hoje está sob a regência de uma de suas filhas. Além da prática de axé, o terreiro de Dona Hilda foi precursor, na prática, de atividades culturais e socioeducativas para as crianças do bairro, com foco no desenvolvimento da autoestima negra, no autoconhecimento e no enfrentamento do racismo.
Nesse contexto metodológico, conhecer a própria história e de seus ancestrais deslocados do marco civilizatório da escravidão é libertador. Para Mãe Hilda, o ponto de partida da vida negra não poderia ser o chicote. Por esse motivo, as inspirações da Escola Mãe Hilda são fundamentais para um novo modelo de educação. O cuidado com as crianças negras nasce do ponto de partida da potencialidade negra e da reafricanização da própria existência. Racismo e escravização de mentes e corpos são réguas de leitura do colonizador.
A busca por reparação, justiça e por uma sociedade mais equânime é nosso convite diário para pensarmos caminhos de forja de uma educação real para todos os corpos, mentes e corações. Todos nós merecemos ser lidos e vistos por nós mesmos como sujeitos possíveis de afeto, dignidade, potencialidade e elementos de um grande levante coletivo.
Imagem: Istock - Crédito: Prostock-Studio